O que realmente precisamos ensinar…e aprender!

aprendendoComo as pessoas aprendem? As escolas são uma novidade muito recente na evolução humana, e ainda um grande laboratório de experiências sociais. Em um mundo com tanta informação disponível, metade das pessoas não sabe que um antibiótico não é capaz de matar um vírus. Quantos conhecem a Constituição Federal ou como funciona o sistema político no Brasil? Hoje, milhares acessam um artigo com fotos para ver como surge a comida que compram no supermercado. Na teoria, a educação está aí para produzir cidadãos letrados e informados, mas se pensarmos nos resultados finais podemos perceber um certo fracasso e graves efeitos colaterais.

Como você aprendeu a usar seu smartphone? Facebook? WhatsApp? Talvez alguém lhe ensinou, ou você leu o manual, provavelmente só mexeu um pouco e entendeu sozinho. É muito possível que você sequer lembre pois simplesmente aprendeu. Antigamente, as pessoas não iam à escola mas aprendiam a ler de diversas formas com outras pessoas que dominavam a técnica e a transmitiam conforme achavam apropriado. Não é difícil transmitir o conhecimento, se houver interesse a coisa se espalha muito rápido e não se pode interromper mesmo que queira. Vide o uso dos dispositivos eletrônicos por crianças cada vez mais jovens e que ninguém precisa ensinar nada! O fato de aprendermos a usar o computador não é um mérito da Apple ou da Microsoft e sim da inteligência humana. Quando temos um interesse, encontramos uma forma de aprender.

Várias “pedagogias” indígenas milenares usam métodos naturais e sem esforço. No Kenya as mães esperam para dar tarefas às crianças até perceberem que estão prontas para aquilo. Tribos da Índia sabem que se uma criança tenta algo e desiste, não precisam fazer nada pois ela tentará novamente mais tarde. Nas tribos de Nova Guinea perceberam que muitas vezes as crianças aprendem melhor imitando crianças mais velhas do que adultos. Os Yanomami dão ferramentas e deixam crianças brincarem para aprender. Índios não corrigem os erros dos pequenos, apenas lhes mostram como fazer corretamente. Muitos deles também afirmam que, muitas vezes, a criança pode aprender mais com seu silêncio que com um discurso.

Todos sabem que um animal no zoológico não tem o mesmo desenvolvimento que em seu habitat natural. E os seres humanos? Por que alteramos o desenvolvimento natural de nossa espécie dividindo as crianças em grupos pela mesma idade biológica ao invés de comunidades com diversas idades? Por que nos trancamos em uma sala e sem movimentação na maior parte do tempo? Por que pedimos para aprenderem de livros com conteúdos de tão pouca aplicabilidade na vida real? Quais serão os resultados de tudo isso no futuro? Muitas crianças se desenvolvem bem neste ambiente artificial criado pela sociedade, mas muitas não. Milhares, então,  serão rotuladas como fracassadas e provavelmente terão problemas de auto-estima para o resto de suas vidas. Estudar o aprendizado humano nas escolas é como estudar o desenvolvimento de animais no zoológico. Simplesmente não é natural.

Conversando com um adolescente diagnosticado com déficit de atenção ele me questionou: “Você lembra da fórmula de Baskara? E quantas vezes a usou na vida? ” Respondi que precisei aprender para passar no vestibular e me tornar médica e ele rebateu: “Mas se queria cuidar da saúde e de pessoas, para que precisava saber isso? Onde isso é aplicado na medicina?”. Ele me pareceu muito atento e eu obviamente não tive o que responder além de que a sociedade é estranha e precisamos fazer coisas estranhas apenas para nos encaixarmos nela. A pergunta seguinte eu mesma pensei: mas por que?!?

O número de crianças e adolescentes diagnosticados com déficit de atenção cresce absurdamente assim como aqueles que recebem drogas por estarem desajustados. Será que são tantos com distúrbios cerebrais ou o filtro para ajuste na sociedade é que está ficando fino demais? No caso da leitura, por exemplo, a não ser que a criança desenvolva um interesse e aprenda muito cedo sozinha, ela não poderá mais buscar seu instinto e maneira pessoal de aprender: terá que fazer como lhe impõem na escola e, caso não se adapte àquele jeito no tempo determinado é considerada doente e disfuncional.

Nosso sistema educacional foi estudado e desenvolvido através de indivíduos encaixados perfeitamente na sociedade capitalista e industrializada na qual vivemos recentemente. A serviço desta, o sistema privilegia a competitividade no lugar da cooperação, a auto-promoção no lugar da humildade, o pensamento analítico sobre o holístico, o sucesso individual ao invés do coletivo, a comunicação direta e o status de hierarquia. No nosso sistema, crianças e adultos são testados e estimulados a serem o melhor. Existem prêmios e homenagens àqueles que melhor se encaixam. Nós ensinamos às crianças o que julgamos necessário quando na maioria das tribos os adultos esperam que a criança se interesse e busque o conhecimento de maneira voluntária e só siga exemplos. Nós controlamos a evolução de cada um e estipulamos um tempo padrão para o aprendizado quando eles consideram apenas o resultado final e o prazer da jornada.

Energia, criatividade e independência são considerados problemas atualmente. Pessoas com habilidades físicas, energia, sociáveis e engraçadas geralmente não são tão boas em pensamento analítico. Mas isso não quer dizer que são piores. Algumas pessoas tem necessidade de movimentação, de força e detestam ficar sentadas ou sentirem-se controladas. Elas conseguem se focar naquilo que lhes interessa, e normalmente isso não está em uma pequena sala. Essas pessoas são consideradas opositoras e com problemas. Pessoas com dislexia normalmente tem uma imaginação melhor que as “normais”, porém não existe um termo ou nome de doença para quem tem menos imaginação.

Assim como uma criança pode começar a andar com 10 meses, outras vão desenvolver esta coordenação apenas com um ano e meio. No final, este tempo não vai determinar que a mais precoce seja melhor. O ensino também tem um tempo diferente para cada indivíduo. Hoje, não só queremos que todos aprendam ao mesmo tempo como queremos que todos sejam rápidos. Toda essa pressa vem da competitividade, da síndrome de escassez, da idéia de que se precisa ser melhor e chegar primeiro antes que algo acabe. A compaixão e a abundância não abrem espaço para pressa e permitem respeitar o tempo e instinto de cada um.

Alguns estudos mostram que crianças que aprenderam a ler cedo (5 ou 6 anos) lêem melhor aos 8 ou 9 anos. Presume-se que é melhor ensinar a ler bem cedo. Só que a tal vantagem some aos 10 e 11anos e ,depois disso, aqueles que aprenderam mais tarde apresentam melhor compreensão e prazer na leitura. Estipular um tempo, dividir em séries, pode criar sérios problemas psicológicos pois, quando se pressiona uma criança a fazer algo para o qual ela não está pronta, criam-se crenças e sensações: eu odeio isto, eu não consigo, eu nunca vou aprender, eu tenho algum problema.

Se você pedir a indígenas para classificarem seres vivos eles não irão separar em mamíferos, aves, peixes ou plantas, mas provavelmente por habitat como todos os animais de pântano em um único grupo. Esta resposta seria considerada errada em uma escola mas reflete apenas um outro ponto de vista. Na nossa lógica, uma criança que cresce vendo uma galinha dançar e um rato falar é mais esperta e dotada de conhecimento do que uma criada no meio de animais reais e conhece intimamente seus hábitos e características.

provax

Pesquisas mostram que o QI das pessoas tem aumentado muito e que as pessoa que viveram 100 anos atrás eram, na grande maioria, consideradas “retardadas” pelos testes atuais. Como o cérebro se desenvolveu tão rápido na história evolutiva? Para sobreviver no século passado era preciso um conhecimento e inteligência diferentes dos valorizados hoje e medidos nos testes de QI que, na verdade, são uma medida não da inteligência mas da modernização e da capacidade de pensamento analítico, único valorizado hoje. Nossa sociedade desvia o aprendizado para o lado frio, mecânico e individualista, deixando de lado intuição, conexão e compaixão. Não é coincidência que os grandes gênios, pensadores, artistas e inventores tiveram, em sua maioria, sérios problemas de aprendizado. Eles apenas usavam mais o outro lado do cérebro. 

A humanidade sempre pensa que chegou no ápice do conhecimento. Já existia essa crença quando surgiu a “brilhante” teoria de que fórmulas artificiais eram muito melhores para um bebê do que o leite materno. Hoje ninguém é capaz de defender tal teoria, mas milhares de bebês foram prejudicados por ela. “Sabia-se” também que bebês muito pequenos não sentiam dor, logo faziam cirurgias sem anestesia. “Sabe-se”que as pessoas aprendem por reforço positivo ou negativo e não por paixão, vontade ou preferência. Logo, o sistema “treina” crianças como animais de laboratório, com repressão e bonificações. Falta aprendermos o básico, a lição número um que é ter humildade e saber que sabemos muito pouco.

O aprendizado humano é muito mais complexo que podemos imaginar. E podemos redescobri-lo observando, ouvindo, prestando atenção aos milhares de meios pelos quais ainda se aprende em outros lugares não muito distantes. Olhando no fundo dos olhos de alguém podemos perceber quando eles brilham e é lá que o verdadeiro aprendizado está.

Deixe um comentário